quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Com 11 milhões de brasileiros com depressão, suicídio já é considerado uma epidemia

“É como se os suicídios se tornassem invisíveis, por serem um tabu sobre o qual mantemos silêncio. Os homicídios são uma epidemia. Mas os suicídios também merecem atenção porque alertam para um sofrimento imenso, que faz o jovem tirar a própria vida”, alerta Waiselfisz, coordenador da Área de Estudos da Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso).

Criador do Mapa da Violência, o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz destaca que o suicídio também cresce no conjunto da população brasileira. A taxa aumentou 60% desde 1980. O Brasil registrou 11.433 mortes por suicídio em 2017 – em média, um caso a cada 46 minutos. Nos últimos 5 anos, 48.204 pessoas tentaram suicídio, segundo registros de entradas em hospitais, mas isto é um 'subdiagnóstico', estima-se que esse número é muito maior. Dados oferecidos pela diretora da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Fátima Marinho. Em números absolutos, porém, o Brasil de dimensões continentais ganha visibilidade nos relatórios: é o oitavo país com maior número de suicídios no mundo, segundo ranking divulgado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) em 2014. (Fonte – BBC).

A Depressão é um câncer na alma que pode levar ao suicídio

Todas as pessoas que têm depressão cometem suicídio? Não. Mas todas as pessoas que cometeram suicídio apresentaram algum quadro de enfermidades mentais. A saúde mental do Brasil está péssima. Cerca de 11 milhões de pessoas foram diagnósticas com depressão, quase 6% da população. É o número 1 com maior prevalência da doença na América Latina, o 2 nas Américas, ficando atrás apenas dos estados unidos. A saúde mental precisa urgentemente ser reconhecida como umas das prioridades nas políticas públicas. Em muitos países, programas de prevenção do suicídio passaram a fazer parte das políticas de saúde pública.
Na Inglaterra, o número de mortes por suicídio está caindo em consequência  de um amplo programa de tratamento de depressão. Reduzir o suicídio é um desafio coletivo que precisa ser colocado em debate. A indiferença, a omissão, o silêncio, não podem ser nossas respostas. Fazer nada é a pior decisão que podemos tomar sobre qualquer assunto. É importante ressaltar que os transtornos mentais concomitantes com o uso de substâncias psicotrópicas (álcool e drogas) torna o suicídio, um risco iminente (crescente).

Suicídio na adolescência: segunda maior causa de mortes entre 15 e 29 anos

Segundo a Organização Mundial de Saúde, o suicídio é a segunda causa de mortes entre jovens entre 15 e 29 e já é considerado uma epidemia. As meninas são as que mais tentam. Os meninos são os que mais conseguem. Por isso o índice de suicídio é maior do que entre os homens.
Acompanhamos a saga de um jovem de 20 anos que sequestrou um ônibus repleto de pessoas, na ponte Rio-Niterói, depois de 4 horas de negociação, ele foi morto pela polícia.
Não podemos perder a oportunidade de refletirmos sobre a saúde mental de nossas crianças e adolescentes. Dos 19 aos 27 anos, o cérebro vivencia uma terrível fase de poda neural, gerando assim conflitos existenciais medonhos. É como ligar um aparelho de 110 numa tomada de 220. O aparelho não tem capacidade para suportar tamanha carga e entra em colapso.
Chamo a fase dos 13 aos 27 anos como a Golden Gate da existência. A ponte Golden Gate, uma das 7 maravilhas do mundo moderno, é o lugar onde cerca de 40 pessoas por ano escolhem para o autoextermínio.
Com esta triste metáfora da vida real, quero dizer, por meio de pesquisas de campo, e cientifica, que a adolescência não é o período da “aborrescência”, mas sim da “adoescência”. Como escreveu o poeta/músico: “há tempos são os jovens que adoecem”.
Com base nesses estudos, faz-se necessária urgência falarmos claramente de saúde mental na infância e adolescência, numa perspectiva preventiva ao suicídio. O jovem sequestrador de ônibus na Ponte Rio-Niterói, levava um livro de Bukowski que traz uma reflexão sobre o sofrimento psíquico e claro que seu gesto foi um tipo de suicídio:
‘Nunca dirijo meu carro por cima de uma ponte sem pensar em suicídio. Quero dizer, não fico pensando nisso. Mas passa pela minha cabeça: suicídio’, diz trecho de ‘O capitão’. Minha missão é esta: ajudar os jovens a atravessarem a ponte Golden Gate de suas vidas, sem desejar a morte.

Por que falar sobre o suicídio é a melhor opção?

Há décadas não se podia falar sobre suicídio, pois compreendiam que ao falar de suicídio poderia causar o chamado "Efeito Werther" - uma referência a abra de Goethe "Os sofrimentos do jovem Werther", publicado em 1774 na Alemanha, e conta a história de um jovem que optou pelo autoextermínio após uma decepção amorosa.
Ocorre que em 2004, um cineasta chamado Eric Steel chutou o balde e resolveu que não se prenderia às convenções impostas pelo coletivo. Seu primeiro trabalho como diretor foi A Ponte, um documentário sobre o monumento público que mais registrou casos de suicídio na história: a ponte Golden Gate, cartão postal de San Francisco, uma das 7 maravilhas do mundo moderno. Desde que a ponte foi inaugurada em 1937, mais de 1,4 mil pessoas já se mataram pulando dela. Em 2013, foi registrado o recorde de 46 suicídios. Eric Steel então deixou câmeras escondidas ao longo da ponte e por um ano fez o registro de dezenas de autoextermínios. Revelando com isso, a urgente importância de se falar claramente sobre o assunto.
Atualmente, estudos mostram que perguntar a indivíduos em risco se eles são suicidas não aumentam suicídios ou pensamentos suicidas. De fato, estudos sugerem o contrário: descobertas sugerem reconhecer e falar sobre suicídio pode de fato reduzir em vez de aumentar  ideação suicida.

Mais de 50% dos adolescentes trans tentam o suicídio

Nós que trabalhamos com prevenção ao suicídio estamos muito preocupados com a disseminação do ódio às minorias. Mais de 50% dos adolescentes trans tentam o suicídio, indica estudo feito ao longo de três anos pelo professor Russell B. Toomey, da Universidade do Arizona-Tucson (EUA). 51% dos adolescentes que se identificaram como transgênero relataram pelo menos uma tentativa de suicídio. O psicólogo Tiago Zortea - Suicidologista - atualmente uma das referências internacionais em Prevenção ao suicídio, afirma que "as experiências de estigma e discriminação vividas pelas pessoas da comunidade LGBT se mostraram significativamente associadas a todos os três aspectos da tendência suicida. Tais experiências incluíram fatores de estigma na escola (por exemplo, professores não se manifestando contra o preconceito, lições negativas sobre minorias sexuais), reações negativas de familiares e amigos quanto ao processo de revelarem-se LGBT, e assédio ou experiências criminosas especificamente voltadas à comunidade LGBT. 

Por que os suicidologistas são contra a posse de armas?

De acordo com uma recente revisão de 31 artigos científicos sobre suicídio, mais de 90% das pessoas que se mataram tinham algum transtorno mental como depressão, esquizofrenia, transtorno bipolar e dependência de álcool ou outras drogas. No Brasil, porém, persiste a falta de políticas públicas para prevenção do suicídio, com o agravo da passagem do tempo e do aumento populacional.
Com a posse de armas liberada no Brasil, os estudos indicam que teremos mais suicídios, mais mortes por acidentes, mais feminicídios... Nos EUA, a maioria das mortes por armas de fogo acontece dessa forma – incríveis 64,2% dos 37.200 óbitos em 2016. No Brasil, essa porcentagem é de 4%, ou 1.728 mortes. Se os mesmos 4% da população do Brasil tiver uma arma (o que representaria 6 milhões de novas armas em casa), o total de pessoas que tiram a própria vida todo ano, proporcionalmente, passaria dos 16 mil. É como se 7 Boeings lotados caíssem todo mês.
Estes dados foram analisado por Thomas V. ­Conti, pesquisador da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Entre 2013 e 2017, ele traduziu 48 resumos de pesquisas sobre armamentos para cravar: 90% delas são taxativas ao dizer que um maior número de armas aumenta o número de crimes letais e suicídios. (Fonte: Super Interessante)

Reduzir o suicídio é um desafio coletivo que precisa ser colocado em debate. “Nossa resposta não pode ser o silêncio. Nossas chances de chegar às pessoas que precisam de ajuda dependem da visibilidade”, fala do psiquiatra Humberto Corrêa no artigo 'Suicídio aumenta no Brasil, mas isso poderia ser evitado' - publicado na revista Planeta (edição 421, Outubro de 2007).
(Excerto de "Jovem, não morra na Golden Gate", artigo (prelo) de pesquisas teóricas e de campo, da romancista e psicopedagoga Clara Dawn, que tem se dedicado ao assunto desde 2014).

Algumas fontes pesquisas:
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