quarta-feira, 9 de março de 2011

Os Gonzos do Mundo

De olhos fechados, descompassado o coração e com as mãos bem juntas, pedi a Deus que me perdoasse por permitir que os meus dedos agridam fisicamente o teclado com a ânsia de descrever a hipocrisia da teia.

Perdoe-me, oh, Deus! Mas ao ver, através do vidro da janela, uma teia de aranha que unia o pé de arruda aos ramos do chuchuzeiro no quintal dedona Penélope, eu não resisti e assim acabei por esquecer as razões que me levaram àquela casa.

Que coisa linda! Não a teia de aranha, mas, sim, dona Penélope: uma senhora miúda, de pele clara e flácida. Sua frágil compleição dava-lhe uma aparência decrépita. Mas,quando ela sorria e caminhava pela casaarrastando os sapatinhos de tecido pelo chão, sem vontade de chegar a lugar algum: seu olhar fazia refletir o brilho dos raios solares.

Que coisa linda o chuchuzeiro de onde Penélope colhia belos frutos! O aroma de chuchu refogado, com cebola verde e pimenta vermelha, espalhava-se pela vizinhança quase todos os sábados. Era farta a produção de chuchus, tão verdes e graúdos, dava água na boca só de olhar para eles. Quando o perfume do refogado possuía o ar era o prenúncio de que os filhos e os netos viriam para o almoço. As latas estavam sempre cheias de bolo de fubá e pão de queijo e, se quisessem, poderiam esperar o jantar. Quando isso acontecia era fácil saber, pois os risos das crianças invadiam a casa, por causa da arrotação crônica e aguda de dona Penélope.

Que coisa linda! Não apenas dona Penélope com seus arrotos engraçados e tampouco o chuchuzeiro, mas a teia de aranha. Meu Deus, como é linda aquela teia de aranha que unia o pé de arruda ao ramos do chuchuzeiro! Fiquei por mais de dez minutos apreciando a elegante beleza dos fios de seda e incomodada com a intencionalidade da aranha ao construí-la. Construir uma grande teia a fim de atrair insetos para depois devorá-los.

Como é esperta a aranha em sua caça por insetos! Como fora esperta dona Penélope ao fazer tantas guloseimas para seduzir os netos e, junto com eles, seus risos. Há quem pense que ela emitia os arrotos apenas com este intuito.

Divaguei, embaralhada à teia de aranha no chuchuzeiro, e lamentei, deveras, a ausência dos risos e do perfume do picadinho de chuchu, que naquele instante fora substituído pelo desagradável odor de arruda,enquanto a teia subjugava toda a plantação, como se ela não tivesse um cuidador.

Num ímpeto vislumbrei o interior da casa com a intenção de relembrar-me o porquê de estar ali. Olhei, mas não conseguia me concentrar, pois a imagem da teia cobrindo o chuchuzeiro perturbara minha mente e eu chorei. Tão bela e simples... tão frágil teia, com suas ramificações, como se fossem elos de uma grande corrente... tão fraca, a aranha, por vampirizar insetos.E eu, embora diferente da impassível mosca, também fora atraída pela beleza da teia.

Se dona Penélope estivesse atenta, certamente a aranha não teria coberto o chuchuzeiro com sua teia, movimentando os galhos de arruda e fazendo-os exalar seu fétido cheiro ao vento. Mesmo sendo a teia tão atraente e bela, estes não devem ser atributos suficientes para deixá-la embrulhar os chuchus: a beleza agrada os olhos, mas os chuchus alimentam o lar.

Num repente, um dissoluto mosquito se viu acasulado em infinitas e sedosas tramas. Era o seu fim. Que cena dantesca e linda! Eu chorei, chorei e as lágrimas lavaram meu rosto numa comoção incompreensível...

– Não chore, menina, sua avó não gostava de tristezas – disse-me alguém.

Então, compreendi que a presa da vez era Penélope, que partiu levando consigo a fábula que gira os gonzos do mundo, levando os fios desta metáfora e deixando o chuchuzeiro sob o insuportável cheiro de arruda e preso entre brilhantes teias de aranha...
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