Amo essa página em branco, com sua enorme boca repleta de carnívoros dentes. Adoro esse entulho cibernético e gosto tanto de arrastar por ele palavras vãs, corrompidas, prostituídas – vulgares. Sinto um prazer indizível em envergar muitas letras na tacanhez de minha escrita; de torturá-las no afã de meus anseios; de persegui-las como se isso fosse inevitável; arranhá-las com essas minhas garras de cacos de vidro, só para vê-las em um mosaico labiríntico de enlouquecer.
Adoro ver a dança das palavras na página branca, tentando encontrar a sintaxe ideal – a ligação – o verbo – a morphe perfeita – meu Deus, para quê? Para tecer tramas inquietas? Pensamentos dialéticos? Orações bombásticas de cunho psicossocial? Ou frases românticas da ideia lírica-surreal da vida?
Eu não levo jeito com as exatidões. A minha sabedoria é vegetal. Talvez, um dia, quando estiver pronta para ser exata como uma rocha, terei também a sabedoria mineral. Mas por enquanto só alcanço as coisas que muitos chamam de ilusões... Nestas, fecho-me como a espuma de um mar furta-cor.
Deve ser porque eu vejo essa folha branca como quem veste a ilação de um branco infindo e, ao vesti-lo, desnuda-se completamente. Eu amo a página em branco porque ela é feita de vazio e eu gosto mais de vazios do que de cheios – porque o vazio é maior – é quase infinito. O vazio é da altura e da cor que eu quero – afundo a página com as pontas dos meus dedos e desperto o atropelamento das palavras – a imensidão desse atropelo é quase azul.
Sigo, um tanto dementada com a minha pena às costas, a cavar nessa folha vestígios da escrita que terei. Vou, enquanto o dia envelhece, buscar relevâncias para pintar o meu texto e não encontro fita alguma capaz de medi-la, porque que a importância de uma coisa não se mede com fita, tampouco com barômetros. A importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produz e eu estou enamorada por essa página branca. Porque ela me contrai uma visão fontana do instante: e agora?
Porque o olhar dessa folha me recita tantas perspectivas – tantas que enlouqueço e viajo – e viajar nessa página é algo que gosto mais do que sobrevoar sequoias. Porque há nessa página um comportamento de eternidade – fui criada nas nuvens e aprendi a gostar primeiro das coisas intocáveis, abstratas, celestiais – as terrenas vieram muito tempo depois, pois só quem vive em estado de página é que pode enxergar as coisas sem o feitio real das coisas.
Vou deixar essa folha me amanhecer... e, depois, o que farei com a manhã desabrochada de vazios no furo bonito do meu olhar? Tenho em mim esse atraso de nascença real. Eu fui aprontada para gostar de palavrinhas-mágicas na página em branco. Sou abastada de ser feliz por isso – a minha página em branco é maior do que o mundo – um mundo vazio – repleto de perspectivas. É no cheiro dessa página que eu me alucino, porque onde eu não estou, ela me encontra... Sempre.
Essa página me desbrava primeiro e me alinha depois, junto ao silêncio da sua face “poli-expressiva” e que, por mais que eu queira, jamais conseguirei fotografar com os meus dedos pouco hábeis. Sendo assim, o melhor jeito que encontrei de entender os devaneios da página, de encontrar-me nela - foi fazendo exatamente o contrário - deixei-a padecer de mim até me sujar de branco. E é de branco que escrevo uma coisa ou outra, a fim de dizer todas - ou, pelo menos, algumas. Porque desexplicar o mundo é tão importante quanto o escuro que expõe a existência dos pirilampos.
(Publicado no Jornal Diário da Manhã DMRevista - Goiânia - Goiás em 04 de fevereiro de 2013)
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