segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A sombra da hora doze

Já não me lembro por que fui mexer naquela caixa de fotografias, justo num dia nublado. Em dias assim me sinto um girassol num fosso. Tuco me disse que não é bom ser um girassol, pois o girassol é uma flor muito dependente.

Não é bom ser comparada a uma planta dependente de luz e calor? – Pensei com raiva de Tuco. Será que ele não sabe que na ausência do sol os girassóis se viram um para outro, para se aquecerem mutuamente? Aposto que ele não sabe disso. Mandei o Tuco ir plantar batatas.

Liga não, Tuco, meu mau-humor é falta de sol. Quando o sol bater no vidro da minha janela pedirei desculpas ao Tuco – pensei.

Tuco não imaginou que não foi apenas a ausência do sol que roubara a minha vontade de sorrir, foram aquelas fotografias. Aquelas lembranças de tempos bonitos e felizes, sorrindo e fazendo posses para a posteridade. Todas elas trazem consigo tantos sabores, cores, cheiros e... também uma montanha de “se”...

Aquela ali, da Fadinha, a finada cadela poodle, rasgando a roupa do Tuco enquanto ele soltava pipa. É como se ela dissesse: “Olha pra mim, eu sou mais bonita que esta pipa” – eu ri, pois amávamos a Fadinha.

Por que estamos todos sorrindo na foto? Olha só como parecemos felizes. Será que, para recordar os momentos felizes, precisamos copiá-los no papel e depois anexá-los em álbuns de bonita estética? Bem, as minhas lembranças estão numa caixa de sapatos e eu precisei abri-la para me lembrar que o Tuco achava que a pipa era a coisa mais linda do mundo, que a Fadinha adorava rasgar-lhe a roupa e a Tatá tinha uma mania latente de esconder objetos atrás de si: carinha linda, registrada no flagra tantas vezes... Meu Deus, como eu amava assistir esse espetáculo!

Comecei a rir enquanto olhava as fotografia da Tatá, tão pequenina, gorda e bochechuda, sempre com uma expressão suspeita naquele rostinho de perfeita compleição. Agora eu descobri, Tatá, porque você escondia coisas: para encontrá-las depois – isso justifica o seu fascínio pelo portal da arqueologia. Por Cristo, como a Tatá cresceu! O Tuco não solta mais pipas, agora é aspirante a Niemayer. A Tatá não é mais gordinha e bochechuda. Nem de longe se parece com aquela bonequinha fofucha. Hoje, os objetos não são mais escondidos: ficam espalhados pela casa... Ligo não! Ligo, ligo sim, mas ela não se importa. Que bom que na minha caixinha o Tuco e a Tatá serão eternamente crianças felizes.

Não há fotos de momentos ruins na minha caixa velha de sapatos, cujos sapatos continuam e continuarão sempre andando em minhas lembranças. Não precisamos registrar as coisas ruins para que elas permaneçam em nossa memória... elas jazem ali, predestinas às recordações mais falantes.

Mas os bons momentos precisam ser transferidos ao papel fotográfico para que vez ou outra a gente se dê conta do quanto é feliz. Como será daqui um tempo, quando essas fotografias de papel perderem definitivamente espaço para as fotografias virtuais? Teremos tempo e paciência para ficar horas em frente ao computador vendo as imagens passarem a fim de fazer-nos de novo felizes? Seremos, no futuro próximo, para sempre infelizes sem as lembranças? Porque não há mais tempo para expectativas e sonhos, para encontros em família e longas conversas com os amigos. Sem as fotos de papel onde encontraremos o registro de nossa felicidade? No dispêndio de retroprojetor? Na tela impalpável e fria de um Personal Computer?

Como, pois, conceberemos a felicidade? Uma vez que esta se revela, tal qual a sombra da hora doze e por estarmos sobre ela, nunca a enxergarmos?

- Tatá, onde estão as fotos do último natal?

- Ainda no celular... Quer que eu as descarregue agora?

- Não, pois assim podemos levar nossos momentos felizes no bolso – disse eu. Depois ouvi um toque na janela: era o sol.


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