O homem ali, na vertical, com o olhar perdido no horizonte escandinavo, gira com uma das mãos a manivela do descascador de laranjas. O sol se despede do dia às quinze horas, pintando as nuvens com um vermelho sem ardor e triste. O homem gira com dificuldade a manivela oxidada, e as tirinhas das cascas caem em forma de espiral num balde de lata.
O balde de lata, tão amassado, levou dois coices de uma vaca hoje de manhã e o leite se misturou às fezes de Manhosa – tinha que ver... “Manhosa, Manhosa, faz isso não” – dizia o homem com sua paciência de Jó, recobrando o balde e limpando-o com uma flanela encardida, a mesma que ele usa para limpar os flocos de neve do rosto. Sentou-se, pesado, por causa do courinho de suas roupas, num tamborete e foi outra vez espremer as tetas da Manhosa.
Ora, ela não se incomoda que lhe aperte as tetas, o que ela odeia é ouvir o barulho do jato de seu leite no balde de lata... Mas o homem nunca, nunca entenderá o que deixa Manhosa tão irritada. E assim é: nos segundos em que ele levanta do tamborete, Manhosa chuta o balde e dá-lhe leite sobre as fezes... O homem desiste de Manhosa e vai tatear outros peitos a fim de encher o seu amarrotado recipiente, mas ele debalde sempre no vazio.
Mas enquanto o homem gira a manivela, descascando a décima laranja, pensa num modo de tirar o leite de Manhosa. Não gostaria de amarrar-lhe as patas... – “não, não, isso a deixaria com as tetas secas” – Como, então? O homem para de matutar um instante para ver o espetáculo que se formou diante de seu casebre: uma corona auroral – ouviu falar nesse fenômeno a vida inteira – e agora ei-lo ali diante de seus olhos. Uma magnífica explosão vinda do céu nórdico banhando a Terra de um azul esverdeado e de um vermelho intenso. Enfim, tão linda – aurora boreal – trará fertilidade às vacas. Pois quando o gigante Surtur lança nuvens de centelhas ao brandir a sua espada, enche do seu fogo o céu e depois surge dos pedaços de gelo a gigante Vaca Audumla, de cujas tetas brotam quatro rios de leite...
O homem sorri feliz como nunca, porque agora não precisará mais lutar com Manhosa por seu leite derramado. As outras vacas também produzirão leite. Por Cristo! O maná foi derramado sobre aquela terra gélida e estéril.
Enquanto o homem corre feito uma criança de um lado para o outro erguendo o seu balde amarrotado o mais alto que seus braços alcançam, como se quisesse enchê-lo de boreal mitologia, alguns cientistas comemoram nas Ilhas Faroe, a muitos quilômetros dali, a majestosa demonstração de uma explosão nuclear com uma capacidade de destruição dantesca.
Ah, o homem! O homem feliz dançando com o seu balde de lata não imagina que o mito foi criado por uma odiosa natureza: a humana!
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