Alfedro estava, ao mesmo tempo, nostálgico e irritadiço por causa dessa tal pós-modernidade. Essa coisa que os mais jovens veem como um piquenique no jardim das delícias e os mais velhos como o último tango à beira do vulcão.
Seu Alfedro, na altura de seus setenta e cinco anos, recebeu como brinde um celular na compra de outro aparelho, que seria o presente de quinze anos de sua neta Isabel, Belinha, para o vovô.
O grande problema é que o carinhoso senil não possuía a mínima noção de como aquela parafernália eletrônica que a Belinha chamava de ‘Cel’ funcionava.
Com a ajuda da empregada, Alfedro aprendeu de forma jocosa a apertar o botão verde quando o troço fazia barulho, o vermelho quando a prosa terminava e a abrir a caixa de mensagens. Foi por isso que Isabel teve a brilhante ideia de mandar um torpedo de agradecimento ao avô: “E awe vô blz? Naum squent, q vc aprend a tc. Vô, vc eh irado, achei foda o meu cel. Vlw!”
Minha Nossa Senhora, será que essa menina não foi alfabetizada? – desabafou Alfedro, sentando-se na preguiçosa, e ali ficou até o fim do dia tentando decodificar os signos da mensagem. Foi nesse momento que seu filho Marcelo, cujo currículo não caberia nesse espaço, veio visitá-lo e Alfedro pediu-lhe que explicasse a tal mensagem (isto é, o “torpedo”) enviada pela menina.
- O que ela quis dizer, pai, é que ela se sente deveras lisonjeada com tamanha benevolência da sua parte em presenteá-la com um telefone móvel e o elogia dizendo que o senhor é um gentleman.
Seu Alfedro olhou para o filho e depois para o celular. Ficou ainda mais confuso. A Belinha não foi alfabetizada e Marcelo falava como se seu dialeto tivesse saído de um dicionário frankensteiniano.
Já seria o suficiente para que monstros pós-modernos assombrassem seu Alfedro, se o seu neto Bocão (os colegas tentaram o bullying, mas o garoto adorou ser chamado de Bocão) não entrasse na roda para dar seu palpite:
- Ó vô, o que o coroa quer dizer é que a “noiada” da minha irmã achou o cel o mobarato e que tu é um coroa cheio das quali, saca?
É lógico que o atordoado Alfedro não entendeu patavina e meneando negativamente a cabeça, falou:
- Esse troço parece aquela pata que tinha no rancho do meu avô... Já contei essa história? Meu avô era físico e tinha uma explicação para todas as coisas. Para quase todas, menos para aquela pata que berrava feito louca todas as vezes que botava um ovo. Coisa estranha e rara, uma vez que as patas são relativamente silenciosas. Mas aquela pata fazia tanto barulho que apesar de ser tão somente um ovo, sua existência soava como o estrondo de um meteoro... como se um diamante fosse, e... benza Deus, Belinha, como você está linda nesse seu vestido azul! –, disse o velho ao ver Isabel chegando.
- Tô nada, vô, o senhor precisa ver meu book fotográfico, estou perfeita nele -, disse Belinha.
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