Uma
viúva não é uma mulher solteira. Uma viúva não é divorciada. Uma viúva é mulher
casada com um marido morto. Há, por estas bandas, uma igrejinha tão
pequeninha (redundância, eu sei, não me
importo), pois mirando-a através da minha janela sinto paz tamanha que vontade
eu tenho de ficar miúda só para parecer-me com ela. Às vezes, mas só às vezes,
quando fico em silêncio, às seis da tarde, eu ouço o sino tocar melancólico...
Ele soa a sua sina. Soa frígido sino! Soa a sua sina. Sua sina. Sua, sua...
É
verdade que o meu coração permanece como se tivesse engolido um guarda-chuva
aberto e eu sinto-me tão solitária quanto um pardal na chuva por ter que dizer
adeus tão precocemente aos dois homens (marido e filho) que mais amei na Terra.
Mas esta realidade é o capítulo atual da
minha vida e é um clímax... Toda história depois do clímax toca uma música
suave. E depois há uma estrada longa fluída por essa canção energicamente
triste... E a estrada termina numa encruzilhada e a música para e ainda não é o
fim, basta decidir qual caminho seguir e aí uma nova música começa a tocar.
Outras paisagens se formam e já não se é a mesma pessoa de antes e ainda que se
lembre de quem era, este "era" não pode mais sentir aquilo que tanto
lhe fez sofrer.
Recordo-me
de sentir o perfume fabuloso das rosas que se abriram só porque eu tive boa
vontade em regar suas sementes. Só porque eu não as deixei sozinhas diante dos
escaravelhos e também das chuvas de granizo... Só porque eu fui teimosa o
bastante para aguentar seus espinhos e aceitar que rosas, por estarem vivas,
podem num instante, também morrer. Somente
possuímos o que conseguimos nos desapegar. Pois somos escravos daquilo que não
deixamos ir. Tenho comigo que deixar ir é o único modo de amar verdadeiramente.
Ser viúva aos quarenta anos e perder um filho numa morte trágica foi a minha
sina. E por que não comigo? Deixo-os ir, todos os dias, desde então.
Mas foi para o vosso desencanto que eu escrevi
esta crônica. Para que saibam que apesar de eu ser aquela a quem chamam de
triste sem o ser; o meu nome é mais infeliz do que eu. Sou – e é verdade –
aquela que ás vezes chora com infindas razões para tal, mas eu não quero ser lembrada
como se fosse uma fortaleza rodeada por placas de advertência. Porque as minhas
crenças, o meu coração, o meu estado de espírito e a minha essência, estão em
constante promiscuidade com a minha verve e qualquer pessoa que deseja
conectar-se comigo, precisa dialogar primeiro com o que eu escrevo. Sou uma
romancista.
Minha prosa fictícia é a minha existência feliz. Então, olhem além do que está à mostra e não
façam da minha existência feliz uma biblioteca vazia de leitores, com Charles
Bukowski arranhando a escrivaninha. Por isso arquivem o primeiro parágrafo
desta crônica, pois é o soar de um novo capitulo para um novo livro. Arquivem o
primeiro parágrafo e todo o resto, podem apagar.
Arquivado.
ResponderExcluirSim, é assim como me ressoa a alma... Bom que, na leitura, encontremos irmãs orando nas trevas e luzes da alma... Lembrando Gibran: "vos elevais até encontrardes, nas alturas, aqueles que estão orando à mesma hora, e que, fora da oração, talvez nunca encontrásseis.
ResponderExcluirPortanto, que vossa visita a esse templo invisível não tenha nenhuma outra finalidade senão o êxtase e a doce comunhão." Poesia e narrativa dos interiores da alma também é forma de oração e de comunhão. Obrigada pela companhia na caminhada.