Tinha cheiro de água adocicada, com uma pitadinha de sal. É! Tinha cheiro de soro fisiológico, mas no final, a fragância era de fruta verde: seriguela ou ingá, talvez jurubeba... era bem isso mesmo, jurubeba. Aquele cheiro de arroz com jurubeba borbulhando em água fervente se espalhava casa adentro. Depois saía pelos vãos da porta e também pelo escancarado da única janela do barracão de adobe. O fogão a lenha, pequeno e bem rebocado com barro branco, ostentava aquele lar. Nem todos tinham um fogão a lenha dentro de suas cozinhas. Era mesmo um belo e branco fogão, sob diminutos caldeirões de ferro: arroz com jurubeba, feijão novinho, novinho, abóbora com quiabo e uma bacia cheia de torresmos.
Num prato esmaltado, sobre a mesa feita com cipó, adormecia uma gema: a pedra mais rara e cara: Uma pedra de sal.
- Chegou ontem. Foi o Zé Messias que trouxe, junto com os outros. Saíram daqui há meses, e só voltaram ontem com o carro carregadinho de pedra-sal. Foi preciso pegar as pedras e abanar a poeira vermelha das estradas.
Zé Messias viaja léguas, todos os anos nas “águas grandes” dos rios. Ele, o Juvêncio e o Tião e mais outro tanto de homens, fazem atalhos por terra, com tropas de burros e carros de boi. E esse povo sofre: o carro de boi desmantela tudo na água, e eles precisam amarrar o saco de sal na cabeça ou no lombo dos burros, pra não deixar molhar, entende, doutor?
O sal pra chegar aqui, seu moço, dá uma trabalheira danada. O doutor não faz nem ideia. Ainda mais o senhor, com essa fala macia e cheia do português correto... O moço com essas botas de couro e esse paletó de casimira... É casimira?
O doutor não é muito de prosa, né? Fica aí parado, de frente à janela, olhando a braquiária. Tá vigiando o cavalo? Preocupa não, pode deixar o bicho pastar tranquilo, porque não tem ladrão aqui no morro. Nós, seu moço, trabalhamos pra viver. Aqui só tem carreiro, porqueiro e peão...
Gente feliz é aquela que vive ao longo dos rios e das estradas... É! Aquelas comunidades vivem na abastança, porque têm muito sal pra vender para as gentes que passam por ali.
Por que o senhor não senta um mucadinho? Vou lhe servir um prato de comida. O senhor parece preocupado. Senta e come! Se quiser pode levar um pouco para a viagem, depois eu faço mais. Senta, senta...!
Então seu moço, como eu dizia, nós aqui na Macambira, viemos de Minas Gerais e abrimos, com muita fortaleza e perseverança, as fronteiras desse mundão desconhecido, na rota da nossa precisão, pra que nossos filhos tenham um punhado de sal na sua comida. Mas, não se faça de rogado, se farte, porque graças a Deus, o Zé Messias chegou a tempo. Ontem mesmo eu presenteei o Nogueira com uma pedra, das grandes, de sal, era a última que eu tinha, mas eu vi que o Nogueira ia me pedir emprestado, então eu tratei de dar logo a ele a pedra. Como o doutor sabe, emprestar sal é sete anos de azar.
Toma uma caneca de café, eu acabei de passar... Fica um pouco mais, o senhor ainda não me disse o seu nome... O senhor é tão calado, parece que carrega todas as pedras de sal do mundo nas costas...
- Pedro. Meu nome é Pedro Ludovico e sobre a sua história e suas pedras edificarei uma capital...
- Eita, que esse Pedro é um cabra bão... bão demais da conta, sô! Agora sai de perto dessa janela e toma mais um cafezinho, que a história só está começando...
Crônica sobre a suposta dúvida de Pedro Ludovico Teixeira, sobre onde seria a capital de Goiás.
Publicada no Diário da Manhã - DM Revista - pg 06 - Segunda, 19/04/2010
- Eita, que esse Pedro é um cabra bão... bão demais da conta, sô! Agora sai de perto dessa janela e toma mais um cafezinho, que a história só está começando...
Crônica sobre a suposta dúvida de Pedro Ludovico Teixeira, sobre onde seria a capital de Goiás.
Publicada no Diário da Manhã - DM Revista - pg 06 - Segunda, 19/04/2010
Clara,
ResponderExcluirpALssei por ALqui para deixar um AL-Braço!!!
AL-Chaer
pêésse: gostei do que li e voltarei mais vezes.