segunda-feira, 10 de maio de 2010

Reminiscência

Aquele móvel imenso no centro da sala era motivo de discórdias. Um móvel tão grande e inútil bem no centro da sala. Inúmeras tentativas foram realizadas para retirá-lo dali. Mas foram em vão, pois o móvel não coube em canto algum da casa.

Aquele colosso coberto pelo pó grudento dos caminhos negros da vida urbana. Não passava de um infrutífero móvel embalado por sua morte reminiscente...

O piano da Nona. O estéril piano da Nona. O piano em que a Nona tocava Chopin. O piano de cauda, que a Nona tocava Orchestra in E Minor em noites pagãs, aromatizadas com Cabernet Sauvignon da safra francesa de 1910.

Em tempos em que a coisa mais importante da vida era reunir muitos em volta da mesa farta. E quando a Nona se preocupava apenas em ser a mãe de seus filhos, a mulher de seu marido e aquela que sabia tocar Chopin no piano que herdou de seu pai.

Nona não toca mais Chopin, seus dedos retesados não tamborilam tecla alguma e seu piano não passa de um móvel grande e imprestável no centro da sala de um de seus bisnetos.
Outros dedos não ousam tocar aquele piano que sustenizava a vida de Nona e de seus comensais.
Eis ali... O piano da Nona, com sua enorme cauda e seus 620 kg., na tentativa de enobrecer a sala em resgate da nostalgia das noites inebriantes, onde Nona era tão somente a mãe zelosa que tocava pedais: os pedais de Chopin... Pobres pedais, pobre piano, pobre tentativa...Pobre! Pobre, pobre ambiente.

A vida anda muito depressa agora Nona, as mães continuam zelosas, mas os seus afagos são virtuais... O bolo Nona, aquele gostoso de fubá com erva-doce, não precisa mais bater as claras para tirar o cheiro de ovos. Já vem pronto. As mães só precisam verificar a data de validade.

A música? Você tem que saber Nona, ninguém mais precisa tocar. Chopin, Liszt, Bach e Mozart, agora são orquestrados por um aparelhinho de uns cinco centímetros que chamamos de Pen Drive.

Espere um pouco que vou colocar para a senhora ouvir... Ouça, é a sua música favorita: Orchestra in E Minor de Chopin... Não é perfeito, Nona? O único trabalho é conectar o Pen Drive no Home Theater para ouvir mais de mil sinfonias... sem esforço e baixo custo. É prático. É simples assim!

Falando em praticidade Nona, o que a senhora acha de colocarmos o piano no porão? Podemos ouvir Chopin no Home Theater…

Ei, Nona, espere... aonde vai?

- Para o porão, também me sinto um móvel grande e inútil no centro da sala.
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