Quem foi que aumentou o volume desse silêncio agudo que ecoa por todos os cantos do casarão? Construído no século XVII e ornado com mobília francesa, a caixinha de música é a peça mais cara do lugar. Nem a cristaleira estilo Luís XV ou a mesa em Art Nouveau possuem valores mais estimados. Ora, a bailarina dança ao som de “Pour Elise” de Beethoven, numa sonoridade parecida com o xilofone. Harmonia perfeita para embalar os sonhos. Mas a caixinha está com as cordas frouxas agora. Num canto qualquer, emudeceu sua cantarola e a bailarina está mortificada numa cova ao lado de sua pátina dançante – feita, a cova, para acomodar as alianças de ouro até o momento do “sim”.
Sim, ouço esse plácido cenário nas linhas da minha imaginação enquanto vozes que já eram velhas conhecidas antes de eu nascer me fazem um show particular na solidão vespertina de um domingo pachorrento. Na tela da televisão, Bibi Ferreira canta “La Vie En Rose”, de Édith Piaf, e eu deixo a música me possuir, fico estática e silente – é mais do que eu posso equivaler com palavras. Depois quero ouvir a própria Édith, sostenir meus ouvidos com sua voz celestial – busco no YouTube –, quero dançar o coração numa vida cor de rosa sem fim, como se pudesse eternizar aqueles acordes na minha caixa de música. Mais uma vez, ouço “La Vie En Rose”, agora, na voz de Louis Armstrong – não me canso –, coisa mais linda do mundo! Pessoas com um dom assim deveriam ser eternas.
Ouço Billie Holiday, Dinah Washington, Louis Armstrong, Frank Sinatra, Bibi Ferreira, Elis Regina e João Gilberto como alguém que acaba de descobrir, no sótão do casarão, um tesouro encantado. Sinto-me envergonhada quando me dou conta de que “tudo isso” é novo para mim. Uma vergonha sem razão de ser, mas é como se eu tivesse ignorado, até então, os cantantes que pessoa alguma não deve passar a vida sem ouvir. Por isso, me apresso em apresentá-los à minha filha. Esta já se habituou ao meu entusiasmo infantil diante do passado/presente dos meus achados fortuitos. Mania besta essa minha de gostar de sentir a ausência do que não pertence ao meu tempo, de sentir ciúmes do que nunca foi meu, de ter inveja da saudade que não é minha.
Por Cristo, chega de saudade, João. Mas que saudade intensa eu tenho de um tempo que jamais vivi. E por que não acaba, oh céus!, com esse negócio de eu viver sem ter vivido? Acho graça – João Gilberto e Bebel, ainda menina, mostrando-me que a vida não precisa ser apenas cor-de-rosa, a vida pode ser Linda Flor e seguir...
Elis Regina – paro por aqui ouvindo “Me deixas louca” –, “quando escuto o som alegre do teu riso/ que me dá tanta alegria/ me deixas louca.../ E quando sinto que teus braços se cruzaram em minhas costas/ Desaparecem as palavras/ Outros sons enchem o espaço/ Você me abraça, a noite passa/ E me deixas louca”.
Não sei precisar o que mais me fascina. Se a voz melodiosa, se o arranjo, a letra ou o sorriso acriançado de Elis Regina numa ascensão quase voluptuosa – ali, graças ao YouTube, eternizando “Me deixas louca”, na sua última apresentação na TV naquela madrugada de dezembro de 1981. Eu, certamente nessa hora, embalava os sonhos da primeira infância e a única coisa que me deixava louca era levar a culpa das artes dos irmãos mais velhos.
Do casarão construído no século XVII, herdei a única coisa que sempre me interessou – a caixinha de música. Enquanto adolescia, às vezes retirava a bailarina da cova e sonhava com as alianças que eu poderia, por pouco tempo, guardar ali.
Hoje, digo adeus Beethoven com sua canção “para Elise”, porque na minha caixinha de música coloco a imagem de Elis Regina bailando sem parar, enCantando a minha vida e me deixando louca.
Sim, ouço esse plácido cenário nas linhas da minha imaginação enquanto vozes que já eram velhas conhecidas antes de eu nascer me fazem um show particular na solidão vespertina de um domingo pachorrento. Na tela da televisão, Bibi Ferreira canta “La Vie En Rose”, de Édith Piaf, e eu deixo a música me possuir, fico estática e silente – é mais do que eu posso equivaler com palavras. Depois quero ouvir a própria Édith, sostenir meus ouvidos com sua voz celestial – busco no YouTube –, quero dançar o coração numa vida cor de rosa sem fim, como se pudesse eternizar aqueles acordes na minha caixa de música. Mais uma vez, ouço “La Vie En Rose”, agora, na voz de Louis Armstrong – não me canso –, coisa mais linda do mundo! Pessoas com um dom assim deveriam ser eternas.
Ouço Billie Holiday, Dinah Washington, Louis Armstrong, Frank Sinatra, Bibi Ferreira, Elis Regina e João Gilberto como alguém que acaba de descobrir, no sótão do casarão, um tesouro encantado. Sinto-me envergonhada quando me dou conta de que “tudo isso” é novo para mim. Uma vergonha sem razão de ser, mas é como se eu tivesse ignorado, até então, os cantantes que pessoa alguma não deve passar a vida sem ouvir. Por isso, me apresso em apresentá-los à minha filha. Esta já se habituou ao meu entusiasmo infantil diante do passado/presente dos meus achados fortuitos. Mania besta essa minha de gostar de sentir a ausência do que não pertence ao meu tempo, de sentir ciúmes do que nunca foi meu, de ter inveja da saudade que não é minha.
Por Cristo, chega de saudade, João. Mas que saudade intensa eu tenho de um tempo que jamais vivi. E por que não acaba, oh céus!, com esse negócio de eu viver sem ter vivido? Acho graça – João Gilberto e Bebel, ainda menina, mostrando-me que a vida não precisa ser apenas cor-de-rosa, a vida pode ser Linda Flor e seguir...
Elis Regina – paro por aqui ouvindo “Me deixas louca” –, “quando escuto o som alegre do teu riso/ que me dá tanta alegria/ me deixas louca.../ E quando sinto que teus braços se cruzaram em minhas costas/ Desaparecem as palavras/ Outros sons enchem o espaço/ Você me abraça, a noite passa/ E me deixas louca”.
Não sei precisar o que mais me fascina. Se a voz melodiosa, se o arranjo, a letra ou o sorriso acriançado de Elis Regina numa ascensão quase voluptuosa – ali, graças ao YouTube, eternizando “Me deixas louca”, na sua última apresentação na TV naquela madrugada de dezembro de 1981. Eu, certamente nessa hora, embalava os sonhos da primeira infância e a única coisa que me deixava louca era levar a culpa das artes dos irmãos mais velhos.
Do casarão construído no século XVII, herdei a única coisa que sempre me interessou – a caixinha de música. Enquanto adolescia, às vezes retirava a bailarina da cova e sonhava com as alianças que eu poderia, por pouco tempo, guardar ali.
Hoje, digo adeus Beethoven com sua canção “para Elise”, porque na minha caixinha de música coloco a imagem de Elis Regina bailando sem parar, enCantando a minha vida e me deixando louca.
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