segunda-feira, 10 de junho de 2013

Simplesmente, adeus

Onde o fim se esconde, há um lugar diminuto e belo: ali a gente pode ouvir o chiado do sol quando ele mergulha no mar. É no afã parturiente dos momentos ruins que os aromas celestiais se revelam  transfigurados das lembranças de bons dias... Eu tenho contemplado todas as coisas tão distantes... Num repente todos os caminhos, até mesmo uma senda, parecem-me longínquos demais. Foram os lugares que se afastaram ou foi o meu jeito de olhar que, de perspectiva, diminuí?

Voar até a lua não é difícil. Difícil, mesmo, é percorrer essas intermináveis estradas interiores. Mas não é o eixo longitudinal que determina o afastamento das coisas, tampouco é o silêncio da boca – é o estado d’alma.  Porque para permanecer não precisa ficar perto, contudo é mensurável que esteja dentro.

Eu não gosto de ‘ficar’ – prefiro ir... Não temo mudanças – sou passageira aqui e, por isso, evito deixar marcas onde piso, pois quando a porta se fecha atrás de mim – ‘ficar’ é verbo inconjugável, ainda que permanecer não seja. Porque o amor e o encantamento por todas as coisas têm o poder de prolongar as distâncias, e nesse caminhar não há pressa. Simplesmente porque ‘ficar’ não é o mais importante, uma vez que se permanece. A satisfação está no ir, no voo... Um voo eterno, com ou sem destino, mas sem longas paradas...

Eu gosto desse chegar que não chega nunca, dessa distância que se faz perto quando há paixão e depois se esfarrapa em desculpas tantas. Porque é a distância das estrelas que faz com elas se revelem belas e luzidias... Uma estrela não pode ao menos ser contemplada – porque uma estrela nunca fica –, apenas permanece na luz do passado. Se há estrelas brilhando atualmente, só saberemos, dizem, daqui a uns cinquenta anos.

É verdade que o estado metamórfico das existências é algo que me fascina. Fascinam-me essas breves distâncias entre o nascer e o morrer.  Mas o que me consterna diante disso é que essa breve distância  caminha sempre de mãos dadas com profundos sentimentos de solidão. Oh, Cristo! Por quê? Meu eu poeta me diz que ainda que o corpo seja a casa do espírito, o espírito nunca se encontra em casa... Porque casa não é lar – e a gente nem sempre vive onde mora – e o espírito tem um lar e dele sente saudade. O lar do espírito é logo ali, onde a gente pode ouvir o chiado do sol quando ele mergulha no mar.

O homem tem receio, não da distância das coisas, mas dos terríveis hiatos que descalcificam o caminho que ele escolheu para seguir. Hiatos interrogatórios que, se não estão no percurso, estão correndo atrás de si. Há uma maneira risonha de se distanciar dessas coisas que correm atrás da gente – deixando-as onde estão – atrás.  Mas o encargo real não é livrar-se das que correm atrás,  é ter que se distanciar daquelas que correm dentro de nós para lá e para cá, em promíscua insalubridade: adoecendo a mente e oxidando o corpo. As distâncias em si não são ruins. Ruim é quando as distâncias estão perto demais.

Eu gosto de observar a vida com as minhas distâncias, como aquele que vai ao teatro para vislumbrar a todos no palco, e ele, plateia/só aplaude freneticamente o cenário, a peça, o contexto, o texto, o figurino, enfim - o desembrulhar das gentes. Porque se tenho que impor presença, isso já é distância que me vence. Meu espírito, coisa tola - começa a ficar cansado quando pensa que é preciso ter uma cor/berrante para estar no desenho da vida – eu sou toda ausência-de-cor- uma colcha de retalhos incolores – uma bolha de sabão que reflete a luz de um arco-íris preto e branco - assim permaneço distante para que a minha existência se desfaça num adeus.

(Publicado no jornal Diário de Manhã - DMRevista - Goiânia - Goiânia em 10 de junho de 2013).





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