terça-feira, 10 de junho de 2014

D'clara

Não leia, nem republique qualquer coisa que eu tenha escrito antes de 17 de agosto de 2013: são divagações tolas de quem ainda não havia experimentado a dor.

Leia frases de Clara Dawn em  O pensador


...quero ser capim na beira da estrada... 
qualquer estrada serve - até mesmo uma senda triste...
desde que o vento passe por ela

e esvoeje os meus cabelos com as letras de um poema...


O olho do espelho

Ainda não sei qual é a expressão que me flerta 
quando miro minha face no espelho; 
desconheço no reflexo esse olho que me enxerga, 
que me escruta com a passiva ira dos tempos;
insolente na sombra dos rastros de um vinco. 
Com essa mão que explora traços invisíveis na deslembrança de um rosto infante. Chispas de fuligem me alcançam a mente? 
Ou são os meus cabelos que agora nascem prateados? 
Perdi a superfície vã das coisas simples na esteira da infância, 

ou em puberdade senil se encontra o olho branco desse espelho?


Metáfora da esperança  - por Clara Dawn

Ah, eu gosto tanto de gaveta emperrada...
Não importa quantas gavetas funcionais apareçam diante de mim,
Eu estarei sempre guardando os meus óculos naquela  velha gaveta emperrada.
E é verdade que eu não uso óculos,

Mas eu jamais deixarei de insistir com essa coisa má que me faz tão bem. 






Vermelho Silêncio - por Clara Dawn

No berço da noite
 Uma sombra cai num casebre da Terra.

Depois  de regurgitar  no chiqueiro
o vento serpenteia  debaixo da jaqueira

e no grato asilo da natureza
É de afã  que apodrecem os cheiros.

O pálido cetim da tez menina
fecha lânguidos olhos num pesadelo

e túmidos suspiros arquejam do seio infante:
estos de um sol que nunca veio.

Na noite, a cantiga dos tambores de vodu.
Perto, no cinéreo vapor, a noite desbota
num verso incerto de um céu sem deus
e  a menina desmaia sob as notas do sino do inferno.

Em penumbra surge de um dorso pardacento
o sexo flácido revelado pela luz de uma lamparina.
Dedos longos de um diabo sagaz rasgam o véu púrpuro
e o lençol do leito infante agora é rubro

A menina grita!
E late o parco cão que vela o casebre.
O vento transpira o odor da lamparina a querosene.
Os tambores do vodu emudecem.
O cão reza um terço com as patas na cabeça.
É vermelho o silêncio da Terra.



Eminência

Chega. Nada mais anseio da dúvida
nada mais sublimo na dor, fim
minha essência transborda de palavras

meu espírito se tornou leve
e canta para acalmar o meu coração
é que nele habita um passarinho
um que tem o TEU nome
nome bonito que sussurro todas as manhãs

Oh, passarinho, declina-te para ouvir-me
mas ELE está à volta dessas flores todas
e não deseja atinar incoerências vindas de baixo
está com o Pai num lugar azul diferente
e não pode tampouco auscultar eminências


coisa mais tola  tenho rezado
 um só mover de Tua cabeça em direção ao choro meu
mas para quê
se desesperos me despertarão
no  azul desse Teu céu
casa de passarinhos multicores

eu perdi a fé e tenho medo de jamais revê-la
é que lamento tanto a violência do afastamento
estou cansada da sombra desse imenso pé de sei lá o quê
e enfadada do cão que abana o rabo
porque pensa que estou, para ele, sorrindo

estou farta desse infindável caminho
que se ramifica em divagações tantas
exausta de tudo
de tudo mesmo, oh, Deus, exceto de Ti

espero que isso seja sinal de fé.


Minha Pequena


...pequenina mulher,

ainda é só uma menina,

uma parede a se erguer frágil 

[tudo invenção] 

invenção de sua personalidade

para esconder suas muralhas...

menina, menina, menina...

[não me pertences, deveras]

mas posso reproduzir a impressão que tuas mãos me causam:
se disser que nunca vi em mão alguma dedos tão
nitidamente dóceis - diria a verdade, eu.

Minha pequena,
se possível fosse dividir-me em partes mínimas e
cada partícula pudesse ser julgada em separado,
certamente cada pedacinho da minha existência seria
uma nota musical para harmonizar a tua vida, 
para encher de riso a tua boca...

Ah, o teu riso!
Teu riso é tão puro que não me lembro se de alguma brisa 
senti tamanho favor.


(Minha Pequena - por Clara Dawn – dedicado à Thálitha Miranda) 


Elegia ao filho morto

Descobri que o silêncio é palpável:
tem cheiro, textura e gosto.
Descobri-o nessas coisas que pertenceram a você
e que agora você pertence à elas.
Descobri que esse silêncio é visível e belo...
[como uma borboleta sem asas]

****

Mas, e  esse  sorriso que ainda tens na face? É de troça?
Terá sido a transposição de teu ultimo reflexo?
Não alcanço no silêncio desse riso - o pensamento - o que tiveste no instante em que vozes imaginárias ou só por ti audíveis,
atinaram-se a mostrar-te uma paz em forma de branco lençol...
Não concebo que o teu sorriso, vedado por um nó na garganta, tenha se transformado em epitáfio.

****
O tempo passa, mas não passa tempo algum.
E é nesse tempo que passa correndo sem sair do espaço
que tento ajuntar letras ambíguas
sobre toda essa benevolência expressa [como sempre] em seu olhar;
sobre suas asas de anjo que [no último abraço] ergueram-me do chão...
Espero que um dia você possa perdoar-me por não conseguir entender
Sua ânsia de pássaro em livrar-se [ cedo demais] da gaiola da vida.
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