É claro que eu me divirto muito com essa coisa
de ser chamado de "O Gato Estúpido da Porta ao Lado". A elegância dessas
palavras acontece nos dias em que Snoppy está de bom humor, porque geralmente
ele me chama mesmo é de “A Terceira Guerra Mundial” ou de "Erva Daninha no
Relvado da Vida". Esse antagonismo entre cães e gatos (e ai de mim se
disser “gatos e cães”) não é mito, a antipatia é mútua. Há raríssimas exceções em
que recíproca afetuosidade existe. Desde que Snoppy virou astro de TV (e isso
eu até compreendo), ele tem muitos pesadelos. Charlie Brown diz que são sonhos,
mas cá para nós: um sonho faria uma criatura titubear entre a fantasia e a
realidade? Um sonho faria crer tão peremptoriamente que mereça uma comida feita
só para ele?: “Ração para cães que voaram na Primeira Guerra Mundial e
compreendem um pouco de francês”. Je doute
fort.
Mas essa coisa de ter voado na Primeira Guerra Mundial
também é um pesadelo, você não acha? Isso se dá pelo seu incontrolável complexo
de Walter Mitty... É...!!! Falo daquele personagem do conto "A Vida
Secreta de Walter Mitty",de James Thurber, um cara retraído e com uma
imaginação muito fantasiosa: ele se vê como um piloto de guerra, um médico numa
unidade de emergência ou até mesmo um assassino perigoso... Que outro complexo
Snoppy teria, senão o de um personagem que até é verbete de dicionário por seu
sinônimo de sonhador inofensivo?
Mas cães nunca são inofensivos. Gatos, sim. Não
nos interessa de quem é a mão que nos coça a barriga, contanto que a mão também
tenha pernas para a gente se esfregar. A comida nem precisa ter nome bonito:
comida para gatos é o suficiente, contanto que seja fresca e de preferência nos
sabores peixe e passarinho. E por falar em passarinho,eu elaborei um plano para
me vingar de Snoppy. Para isso eu precisaria tocar-lhe onde mais possa doer: Woodstock,
o acidente criativo que nunca acontecera de verdade, com o seu voo topsy-turvy,
com a sua fala, o birdspeak, composta de pontos de exclamação numa têmpera de
emoções...
Macacos me mordam! Mas ‘que puxa’, Schulz, que raio
de passarinho é Woodstock? Não importa, vou comê-lo assim mesmo. Minhas presas
se encharcam só de imaginar o quão saboroso deve ser o pássaro que dialoga com
Snoppy...
Snoppy, aquele beagle metido a besta que pensa
que é um escritor só porque ao abrir a sua maleta tira dela uma máquina de
escrever e a partir daí dá a luz ao passarinho que bate asas em seu estômago, e
do telhado de sua casa o cachorro tamborila o teclado da máquina a fim de enlouquecer
a todos com suas histórias mirabolantes... Sim, eu não via a hora de mostrar
para o Snoppy e para o seu leal amigo alado o poder da Terceira Guerra Mundial.
Então, na manhã seguinte, enquanto Shchroeder
tocaria o seu “piano estúpido” e divagaria sobre o poder que Beethoven tem de
influenciar o comportamento das pessoas, eu, com minhas “enormes patas”, dizimaria
a casota de Snoppy com uma patada só. E num salto certeiro iria abocanhar
Woodstock... Ao devorar o passarinho de Snoppy, quantos alters eu destruiria no seu ego?
Tudo pronto: Shchroeder tocava o seu “piano
estúpido”; Snoppy dormia no telhado de sua casa vermelha; Woodstock repousava
sobre a barriga de Snoppy e eu começara a me preparar para o grande salto de
vingança... Quando, de repente, algo chamou a atenção de meus sensórios olfativos...
Era mais do que eu suportaria - a vingança ficará para amanhã: há um peixe
fresquinho balançando na mão de Charlie Brown.
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