sexta-feira, 18 de abril de 2014

"Para cães que voaram na Primeira Guerra Mundial e compreendem um pouco de francês"


É claro que eu me divirto muito com essa coisa de ser chamado de "O Gato Estúpido da Porta ao Lado". A elegância dessas palavras acontece nos dias em que Snoppy está de bom humor, porque geralmente ele me chama mesmo é de “A Terceira Guerra Mundial” ou de "Erva Daninha no Relvado da Vida". Esse antagonismo entre cães e gatos (e ai de mim se disser “gatos e cães”) não é mito, a antipatia é mútua. Há raríssimas exceções em que recíproca afetuosidade existe. Desde que Snoppy virou astro de TV (e isso eu até compreendo), ele tem muitos pesadelos. Charlie Brown diz que são sonhos, mas cá para nós: um sonho faria uma criatura titubear entre a fantasia e a realidade? Um sonho faria crer tão peremptoriamente que mereça uma comida feita só para ele?: “Ração para cães que voaram na Primeira Guerra Mundial e compreendem um pouco de francês”. Je doute fort.

Mas essa coisa de ter voado na Primeira Guerra Mundial também é um pesadelo, você não acha? Isso se dá pelo seu incontrolável complexo de Walter Mitty... É...!!! Falo daquele personagem do conto "A Vida Secreta de Walter Mitty",de James Thurber, um cara retraído e com uma imaginação muito fantasiosa: ele se vê como um piloto de guerra, um médico numa unidade de emergência ou até mesmo um assassino perigoso... Que outro complexo Snoppy teria, senão o de um personagem que até é verbete de dicionário por seu sinônimo de sonhador inofensivo?

Mas cães nunca são inofensivos. Gatos, sim. Não nos interessa de quem é a mão que nos coça a barriga, contanto que a mão também tenha pernas para a gente se esfregar. A comida nem precisa ter nome bonito: comida para gatos é o suficiente, contanto que seja fresca e de preferência nos sabores peixe e passarinho. E por falar em passarinho,eu elaborei um plano para me vingar de Snoppy. Para isso eu precisaria tocar-lhe onde mais possa doer: Woodstock, o acidente criativo que nunca acontecera de verdade, com o seu voo topsy-turvy, com a sua fala, o birdspeak, composta de pontos de exclamação numa têmpera de emoções...

Macacos me mordam! Mas ‘que puxa’, Schulz, que raio de passarinho é Woodstock? Não importa, vou comê-lo assim mesmo. Minhas presas se encharcam só de imaginar o quão saboroso deve ser o pássaro que dialoga com Snoppy...

Snoppy, aquele beagle metido a besta que pensa que é um escritor só porque ao abrir a sua maleta tira dela uma máquina de escrever e a partir daí dá a luz ao passarinho que bate asas em seu estômago, e do telhado de sua casa o cachorro tamborila o teclado da máquina a fim de enlouquecer a todos com suas histórias mirabolantes... Sim, eu não via a hora de mostrar para o Snoppy e para o seu leal amigo alado o poder da Terceira Guerra Mundial.

Então, na manhã seguinte, enquanto Shchroeder tocaria o seu “piano estúpido” e divagaria sobre o poder que Beethoven tem de influenciar o comportamento das pessoas, eu, com minhas “enormes patas”, dizimaria a casota de Snoppy com uma patada só. E num salto certeiro iria abocanhar Woodstock... Ao devorar o passarinho de Snoppy, quantos alters eu destruiria no seu ego?


Tudo pronto: Shchroeder tocava o seu “piano estúpido”; Snoppy dormia no telhado de sua casa vermelha; Woodstock repousava sobre a barriga de Snoppy e eu começara a me preparar para o grande salto de vingança... Quando, de repente, algo chamou a atenção de meus sensórios olfativos... Era mais do que eu suportaria - a vingança ficará para amanhã: há um peixe fresquinho balançando na mão de Charlie Brown. 
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