Publicada no jornal Diário da Manhã - DMRevista - Goiânia - Goiás em 12/05/14 |
Desta vida,
Sentirei saudades da minha infância.
Do velho pequizeiro em forma de poltrona, de onde eu arranhava
uma violinha de latão – cantando “Você não soube me
amar” da Blitz;
Das bailarinas de graveto usando saias de flor-de-pequi;
Da amarelinha em forma de espiral que eu pulava em uma perna
só;
Das trouxinhas de alface recheadas com tutu de feijão no
lanche da tarde;
Dos banhos em bacia com sabão de bola numa água com cheiro
de fumaça;
Do barulho de insetos transitando, à noite, nos buracos dos
tijolos: “dragões e serpentes”;
Das bonecas “cantando” Parabéns
pra você – em
volta de um “bolo” feito de pão
amanhecido com recheio de maionese sob uma vela de sebo;
Sentirei saudades, minha mãe:
De todas as noites em que nós duas nos agachávamos no
quintal de casa para fazer xixi e de cócoras dávamos gargalhadas com as
estrelas;
Você se lembra disso, mãe?
Sentirei tantas saudades daquele dia em que a “luz”
finalmente chegou em nosso lar e ligamos todas as lâmpadas, a TV e o nosso 3 em
1 da Sharp novinho, novinho... Só para mostrar que tínhamos energia em casa.
Mas a saudade que mais tenho, mãe querida,
É de vê-la sorrindo debochadamente a iluminar seus olhos verdeados...
Naquelas tardes que depois viravam noites e madrugadas e dias, e tardes de
novo, nos brinquedos de Truco com os tios e tias...
Até da trilha sonora daquelas tardes, eu sinto falta: Duo
Glacial, Carlos Gardel, Vicente Celestino... dissonando os gritos do jogo.
E se a senhora pensa que eu me aborrecia em fazer o café e
os petiscos, engana-se... Aborrecia não.
Pois eu amava tê-la ao alcance dos meus olhos e de todo o meu
encantamento: seu sorriso – inesquecivelmente lindo – oh, Deus!, - quais as
chances que eu tenho de devolvê-lo?
Desta vida levarei os exemplos das minhas avós e de minha
mãe:
Da alegria da vó Maria, da fortaleza da vó Ana e da bravura
de mamãe;
Que saudade...
Dos bolinhos de chuva da segunda , do arroz com “cariru” da
primeira e da sopa de legumes da terceira...
Chequei até aqui e tenho vontade de aqui permanecer: pra
repousar eternamente nessas lembranças e ignorar que numa esquina do futuro a pior
de todas as tristezas me esperava...
Sim. Ficarei aqui. E sabe por que, mãe?
Porque eu tive uma infância feliz. A mim, nunca faltou coisa alguma. Tudo de que eu precisei
para transformar-me nessa pessoa que hoje sou, eu recebi.
E se porventura alguém lhe disser que eu não sou grande
coisa, pode apostar, é mentira.
Publicada no jornal Diário da Manhã - DMRevista - Goiânia - Goiás em 12/05/14
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