segunda-feira, 12 de maio de 2014

Mãe, não se culpe, eu tive uma infância feliz

Publicada no jornal Diário da Manhã - DMRevista - Goiânia - Goiás em 12/05/14


Desta vida,
Sentirei saudades da minha infância.
Do velho pequizeiro em forma de poltrona, de onde eu arranhava uma violinha de latão cantando “Você não soube me amar”  da Blitz;
Das bailarinas de graveto usando saias de flor-de-pequi;
Da amarelinha em forma de espiral que eu pulava em uma perna só;
Das trouxinhas de alface recheadas com tutu de feijão no lanche da tarde;
Dos banhos em bacia com sabão de bola numa água com cheiro de fumaça;
Do barulho de insetos transitando, à noite, nos buracos dos tijolos: “dragões e serpentes”;
Das bonecas “cantando” Parabéns pra você   em volta de um “bolo” feito  de pão amanhecido com recheio de maionese sob uma vela de sebo;

Sentirei saudades, minha mãe:
De todas as noites em que nós duas nos agachávamos no quintal de casa para fazer xixi e de cócoras dávamos gargalhadas com as estrelas;
Você se lembra disso, mãe?
Sentirei tantas saudades daquele dia em que a “luz” finalmente chegou em nosso lar e ligamos todas as lâmpadas, a TV e o nosso 3 em 1 da Sharp novinho, novinho... Só para mostrar que tínhamos energia em casa.
Mas a saudade que mais tenho, mãe querida,
É de vê-la sorrindo debochadamente a iluminar seus olhos verdeados... Naquelas tardes que depois viravam noites e madrugadas e dias, e tardes de novo, nos brinquedos de Truco com os tios e tias...
Até da trilha sonora daquelas tardes, eu sinto falta: Duo Glacial, Carlos Gardel, Vicente Celestino... dissonando os gritos do jogo.

E se a senhora pensa que eu me aborrecia em fazer o café e os petiscos, engana-se... Aborrecia não.  Pois eu amava tê-la ao alcance dos meus olhos e de todo o meu encantamento: seu sorriso – inesquecivelmente lindo – oh, Deus!, - quais as chances que eu tenho de devolvê-lo?
Desta vida levarei os exemplos das minhas avós e de minha mãe:
Da alegria da vó Maria, da fortaleza da vó Ana e da bravura de mamãe;

Que saudade...
Dos bolinhos de chuva da segunda , do arroz com “cariru” da primeira e da sopa de legumes da terceira...
Chequei até aqui e tenho vontade de aqui permanecer: pra repousar  eternamente nessas lembranças  e ignorar que numa esquina do futuro a pior de todas as tristezas me esperava...

Sim. Ficarei aqui. E sabe por que, mãe?
Porque eu tive uma infância feliz. A mim, nunca  faltou coisa alguma. Tudo de que eu precisei para transformar-me nessa pessoa que hoje sou,  eu recebi.
E se porventura alguém lhe disser que eu não sou grande coisa, pode apostar,   é mentira.


Publicada no jornal Diário da Manhã - DMRevista - Goiânia - Goiás em 12/05/14










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