segunda-feira, 16 de março de 2015

Um dia nunca morre

Foi numa esplêndida manhã de sol que a minha alma, vendo o meu corpo estagnado e apático, em sua razão de ser apenas corpo, disse-lhe:
Corpo, por que chora? Vem dançar. Não vê?, há um alvoroço na figueira – pássaros-pretos promovem um  sonoro caos a partir de um silvo. E que belo silvo é. Não escuta? Sei que deve estar pensando que o sol não tem valor. É mesmo um ordinário, como pode nascer para todos?
Mas, querido corpo, ser suscetível às desordens da existência  não é vantajoso e nem elegante. Vamos correr por aí. Antes podemos passar na varanda – tem um prato cheinho de acerolas robusta sobre a mesa. Mas se não quiser fruta, faço-lhe uma sopa. Ou um escaldado grosso com ovos e pimenta; levanta até defunto. Não crê? – Não crê. Que pena.
Tenha pena quando você não crê em coisa alguma e vem me dizer que o céu azul, o sol vibrante, a chuva, o escuro… são ilusões. Modo de ver. Sim. Eu concordo, porque não importa sé é só nuvens escuras que você vê lá em cima: o sol brilha incansavelmente e não está nenhum pouco interessado se você geme ou sorri. É o sol sendo o sol – simples assim.  Mas então você me diz que hoje só o sossego lhe acomete e que não se incomoda em ser deselegante ao desprezar o belo que há na Terra. Diz que até amaria a vida se uma vida tivesse; que tem agonias e que está exausto de sofrer…Por Cristo, como é triste ouvir isso de você.
Venha corpo, coloca a sua mão no meu ombro e deixa eu conduzir a dança. É verdade que eles estão mais para escOmbros do que muralhas, mas a velhice da alma também é ilusão. Não ligue. O espirito, o que jaz perfeito para sempre, é incorruptível: como aquela coisa estranha, incômoda e indolor que sentimos depois de ficar muito tempo numa mesma posição. Pensei nisso uma vez, enquanto fazia um enxerto ósseo nos incisivos superiores. No momento em que a mão do dentista segurava aquela terrível furadeira numa interminável escavação  eu pensava mesmo no meu espirito que naquele instante não sentia coisa alguma: medo, dor, aflição, desespero, vontade de dar uns petelecos no cirurgião e sair correndo e gritando como fiz quando era criança. (Minha mãe conseguiu me agarrar do outro lado da rua. Talvez ela desminta isso, porque não tenho certeza se de fato aconteceu ou foi só a minha vontade de fazê-lo. Uma coisa eu tenho certeza: o espirito é doidivanas – tá nem aí pras dores do corpo).
Foi naquele momento, na cadeira do dentista, que eu descobri, corpo, um emplastro capaz de sanar todas as  suas dores. Verdade. Se Brás Cubas, (o de Machado de Assis) que tanto procurou por isso, estivesse vivo, eu contaria pra ele. Juro. Mas qual?, o pobre já nasceu defunto. Que sina!
Foi inspirada em Brás Cubas que passei a dialogar com meu “eu” interior e ele disse-me que o passado e o futuro  têm pouca importância, comparado com o que há em nosso dormente espírito. Todo ser que respira tem um espirito acordado com a sua própria evolução.  E ele é apenas aquilo que deve ser.  Uma flor, por exemplo, é uma flor sem ao menos saber-se flor cheirosa ou não. Só o homem convive com o drama, desde sempre, de  preencher seus vazios e curar suas dores como se elas pertencessem ao espírito. Ora, este jamais está vazio, tampouco se transborda de quaisquer sentimentos. O espirito é apenas é o que deve ser: equilíbrio e resistência. Foi aí que ocorreu-me a ideia de que o espirito é o emplastro da alma e, logo, também do corpo.
Sim, e é tão fácil vibrar o espirito a fim de sarar o corpo: pensamento positivo e dança… Meu espirito é bailarino. Vem comigo corpo, apoie-se nos meus ombros, vou colocar uma valsa e bailemos,  porque um dia nunca dorme e o espíritos também não. 
(Crônica de Clara Dawn, publicada originalmente com o título “Um dia nunca morre”no jornal Diário da Manhã – DM Revista – em Goiânia – Goiás em 16 de março de 2015).
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