Semelhante a uma parede erguida com diminutos tijolos sem cimento, o texto a mim se revela. Instável, oxida, tosca... Embora exista uma predominância artística e mesmo que os tijos estejam cobertos por uma tinta “toque de seda”, a parede manifestará sua incoesa estrutura no final.
A massa feita com areia, água e cimento para deixar coesos os tijolos – não é fácil. Não há uma receita: duas latas de areia, uma de cimento e adicione água devagar até conseguir uma mistura homogênea... Nada bom. Talvez necessite de um pouco mais de cimento, mas poderá ficar muito plácida. Nada pior do que uma parede plácida na transfiguração de um texto artístico. Uma parede plácida não revela nada. Confortável, quieta, prática, racional...Sem graça. Nada de placidez, a parede não é um navio ancorado. Deve ser uma obra prima!
Estou tentando erguer uma parede agora e as letras e os espaços entre elas são os tijolos. Enquanto vislumbro o colorido negro na virtual folha de papel do computador imagino uma parede se formando diante de mim. As ferramentas parecem exatas. Nesse momento não me falta coisa alguma. Tenho tudo de que preciso para erguer a minha parede. Tudo que preciso para construir uma obra de arte. Tenho?
O computador – o alicerce; a tela – a areia; o teclado – a água; os dedos – o cimento; as palavras – os tijolos... Mas e a medida certa? Onde encontrá-la? Na razão ou na emoção? No estudo ou no empirismo? Na carne ou no espírito? No prazer ou na transmissão de conhecimento? Na sensatez ou no senso de humor cruel? A medida certa! Por Cristo, onde encontrar?
Na dúvida, esqueço as estruturas. Todas elas. Cubro a parede com uma generosa camada de massa sintética permeada por um discurso inteligível e, pronto, os tijolos estão cobertos. Sem nexo, mas cobertos. Posso então anexar graça, inquietação e beleza ao decidir pintar a minha parede com frases alexandrinas cujo lirismo dará a ilusão de que a parede é mesmo uma obra de arte: Lá no infinito o poema em amabilidade. Luz! Para iluminar a saudade no escrito.
Mas apesar de parecer uma obra de arte, a parede não cabe em canto algum da casa. Porque eu, mais do que ninguém, sei que os meus tijolos estão incoesos dentro do verniz.
Olho para a parede agora e penso que poderia deixar assim mesmo. Como tantas paredes por ai. Mas há algo dentro em mim que me induz a querer desmanchar essa parede. Ou parar definitivamente de tentar erguer paredes literárias. Há paredes úteis a serem erguidas em todas as ciências e eu mera expectadora no experimento de todo o saber, aqui, erguendo paredes descartáveis e, pior, sofrendo para erguê-las, para estruturá-las, para encontrar a medida exata de sua coerção e de sua beleza. Sofrendo!
Sofrendo para esconder os raquíticos tijolos na ânsia de erguer mais uma parede plácida, uma parede flácida, uma parede sem quadros. Uma parede que não cabe dentro da casa. Uma parede menor que o mundo, mas que não cabe no Universo, não cabe nessa crônica, não cabe nesse texto, não cabe dentro de mim.
É uma parede monstruosa e que somente agora, aqui olhando de frente para ela descubro que as palavras não são tijolos, são dentes. Vejo que a parede que acabei de construir é uma boca repleta de dentes sadios. Enxergo-os sadios e prontos para devorar o meu sossego e fazer da escrita o meu umbral eterno.
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