Sob a carícia da agulha, o vinil girola. Em sua sacudidela patética o disco rotaciona no sentido horário e no jardim das flores lilases dança o cata-vento.
Ressoa nas hortênsias, cantarejando para os girassóis, a música que embala a sesta.
Nas pálpebras do disco, aparece um vinco e com seu braço pivotante a agulha nele tropeça. A agulha salta para trás, depois para frente e emenda uma nota na outra rasgando as entranhas do disco num esforço dissonante... É a vida tocada como se um disco fosse.
Como se um disco fosse, a vida vitrola. Vezes nostálgica, vezes feliz, vezes aos pulos, vezes repetida, repetida, repetida, re - pe - ti - da... e vira o disco, e roda a vida com renovada vontade.
Da vontade, exala fluidos dos tempos e chia a vida na expectativa da música, mas a saudade ‘de um sei não o que’ está entranhada na lembrança – e roda o disco –, chocalha o vinil nas manivelas do corpo – e um vinco a mais é fenda no relicário da memória.
Ah, velha vitrola – corpo onde dormita o disco. O disco de vinil – de vinil - um radical insaturado. Vitrola corpo está, agora, coberto por um trapo, e na elipse de uma alma infante o vinil oxida em ‘Lá menor’.
Se este é - e é - um dos menores textos claradawnianos, isso não significa que ele seja menos gostoso de ler. A autora brinca com as palavras como uma criança com seus brinquedos, com a diferença que a mulher sabe muito bem o que está fazendo. Poder-se-ia mesmo dizer que "seus movimentos são friamente calculados", na experimentação dos sons ("La menor" rende muito mais quando lido em voz alta), na repetição que lembra o movimento cíclico ("de vinil - de vinil") e mesmo em neologismos, que eles existem ao longo do escrito.
ResponderExcluirRestringir Clara a um espaço físico exíguo nada significa para ela. O aproveitamento da extensão da página é total.E ela, Santa Clara, opera milagres.