Aqui ajuntando as coisas do meu filho para a doação. Abrindo gavetas e ‘caixas íntimas’... senti uma estranha sensação ao encontrar em seus guardados todas as homenagens que, em vida, organizei para ele: desde pequeno, sempre permitia a presença de seus amigos para celebrarmos com ele surpresas em aniversários, torneios de futebol em videogame e assistirmos filmes... (nos finais de semana a casa se enchia de pré-adolescentes).
Há tantas cartas escritas para ele... há um rolo de cartas de mais de 3 metros que a Pequena e eu fizemos, colhendo cartas de parentes e amigos para quando ele voltasse de seu batismo na igreja evangélica. Outras tantas numa caixa enfeitada com recortes de revistas com alguns de seus personagens favoritos (para entregar a ele quando estava no “Encontro Videira” – em fevereiro deste ano)... e há mais de 150 mensagens que colhi de seus amigos no Facebook, para que ele lesse enquanto estivesse na clínica.
Até um livro eu escrevi para ele - com o nome dele (“Artur, o grande urso” – livro que escrevi quando ele estava com oito anos, mas que somente este ano foi publicado – Que coisa!). No aniversário dele, em junho deste ano (52 dias antes dele partir), também fiz homenagens e poemas em posts no Face. Familiares disseram-me que as minhas homenagens a ele em vida faziam parecer que ele estava morto...
Mas desde que ele nasceu, eu senti [senti simplesmente] que dedicaria muitos momentos da minha vida para fazê-lo sentir-se amado... Mas...!? Mas ele morreu “naquela noite” de 17 de agosto de 2013, às 21h21min. Queria poder dizer que ele teve uma recuperação milagrosa. Mas não teve – desistiu de respirar - desistiu. Queria poder dizer que a sua doença e morte tiveram um lado positivo e com a sua partida a Pequena e eu podemos, enfim, tocar nossas vidas sem as agruras de seus surtos psicóticos.
Queria poder dizer que a vida dele teve um sentido ímpar para a história da humanidade; que, focados no exemplo de sua doença e morte, muitos jovens reformularam seu conceito sobre o uso da maconha; que uma escola ou uma rua foi batizada com o nome dele; ou que uma Lei de Incentivo ao Adicto em Recuperação foi criada por causa dele...
No entanto, isso não aconteceu. Sou sabedora de que a morte do meu filho é “banal”; ele foi apenas mais um que recorreu à “automorte” em busca de paz, neste mundo onde cerca de 27 milhões de pessoas - o que representa 0,6% da população mundial – são usuárias de drogas. O Relatório Mundial Sobre Drogas da ONU 2012 diz que praticamente uma em cada 100 mortes entre adultos de 15 a 64 anos é atribuída ao uso de drogas lícitas e ilícitas...
Nunca entenderei por que ele tinha que morrer e a Pequena e eu vivermos. Certamente não há explicação para isso. A morte é única exatidão da vida. Talvez por isso seja tão terrível. A exatidão é algo sem perspectiva alguma – um quadrado mágico – onde todas as somas dão sempre o mesmo resultado. E mesmo sabendo disso, a gente teima em empreender a contagem das razões inúmeras vezes - Inúmeras vezes – inutilmente - até a exaustão.
Enquanto ele esteve com sua mente enferma, cheguei a pensar que eu tinha vindo a esta vida apenas para cuidar dele... e, por fim, não consegui. Talvez um dia eu concorde que não era para ser como eu pensei. Hoje o que importa, é a certeza de que tive um filho e pude conviver com ele por 20 anos. Um filho encantador, gentil, inteligente e prestativo que, somente na fase de adicção ativa e por causa dela, foi rude e indiferente com aqueles que o amava e ainda amam.
... olho para aquela fotografia ali... Aquela que lhe mantém engessado o sorriso na face e dela surge o homem cuja história, a partir de então, assim descrevo: aos 23 anos, já concluído o curso de arquitetura, ele passou no concurso da Força Aérea Brasileira e tornou-se um importante arquiteto da Aeronáutica; aos 30 anos recebeu uma condecoração por seus relevantes serviços voluntários na reconstrução de cidades destruídas por catástrofes naturais; aos 50 anos viu ao redor de sua mesa, a mulher amada, seus filhos e seus netos; aos 65 se aposentou, não porque se sentia velho, mas porque desejava ter mais tempo para dedicar-se a sua ânsia de escrever poemas; aos 85 anos, numa bela manhã primaveril, deu o seu último suspiro enquanto colhia tulipas róseas para ornar de risos a face de sua amada...
* "As pessoas deviam morrer com todas as suas coisas.” García Márquez. Imagem: O Quarto - Vicente Van Gogh.
* "As pessoas deviam morrer com todas as suas coisas.” García Márquez. Imagem: O Quarto - Vicente Van Gogh.
(Publicado em 03 de outubro de 2013 - Leia outros textos sobre o mesmo assunto: Só por hoje -Foge, Tatua, foge - Efeito Colateral - visite o blog: www.maconhafazmalsim.blogspot.com e curta a página no Facebook - Obrigada.).
Alguns filmes (entre os bem feitos e com roteiros bem escritos, coisas raras hoje em dia) acabam entrando para a História do Cinema e influenciando outras mídias por causa de suas frases inesquecíveis. Alguns filmes têm apenas uma fala marcante, mas isso basta. No caso da trilogia O Senhor dos Anéis, há várias falas tão épicas quanto o próprio filme. Mas uma delas me marcou mais que as outras, talvez isso não ocorresse se eu não fosse pai. Quando o Rei Théoden fica sabendo da morte de seu filho Théodred, exclama com imensa dor uma das mais pungentes verdades do Universo:
ResponderExcluir“Nenhum pai deveria ter de enterrar seu filho!”.
Muitos, eu inclusive, choraram ao assistir a essa cena. Forte. E quando algo assim acontece na vida real, tudo fica ainda mais carregado de dor. É natural que os mais velhos deixem este mundo e que os mais jovens o ocupem, para envelhecer e deixar o planeta para os que serão mais jovens amanhã, num ciclo infinito. Mas o contrário é impensável, inadmissível, parece errado, obsceno. E estendo essa afirmação régia, além do “pai”, à mãe que passa por esse trauma.
Felizmente, Clara é um ser forte. Não por acaso escolheu para seu nome artístico duas palavras que evocam, em línguas diferentes, a mesma coisa: a claridade do amanhecer. Sei que não apenas tocará a vida, ao lado de sua filha amada e de seus amigos queridos, como fará desse trágico acontecimento uma bandeira – como já está fazendo – no sentido de impedir que outros entrem pela mesma senda sem volta pela qual entrou o saudoso Arthur.
Amo-te, Clara, da maneira mais pura possível, a minha alma comunga com a sua, e coloco-me à sua inteira disposição nessa luta. Abraço grande, Soul Sister!
E um arrepio subiu em mim. Minha mente viu cada passo aqui narrado, meu peito chorou cada tristeza.
ResponderExcluirQue pena que os 85 anos não virão. Que pena!
Parabéns por ter sido essa mãe adorável. E que as dores se dissipem com o tempo, já que a saudade jamais te abandonará.
Lendo esse relato me encontro ao lado dela, pois sendo mãe de um usuário da maconha, sinto-me como jogada num quarto escuro, encolhida em um canto, procurando uma solução mágica, pra tirar meu filho dessa escuridão, onde ele se encontra e ao mesmo tempo pôe toda sua família.
ResponderExcluirRecorro a tudo e a todos, e ninquem me indica a solução. Só eu mesma procuro manter firme a convicção que ele é maior "Deus" e só ele nos sustenta. E a espera desse milagre, permaneço firme, e quando sinto o cheiro forte saindo de seu quarto, peço a Deus pra me fortalecer na fé. assim continuo a espera do meu milagre. Fico a pensar como foi suas batalhas, digo, como é grande a sua batalha. Mas lembre-se, a sua força nos fortalece. Beijo em seu coração.