A
incompletude, escreveu Manoel de Barros, é a maior riqueza do homem. Sendo
assim, eu sou a pessoa mais rica que conheço. Concebo-me incompleta como
ninguém.
Ah, incompletude! A essência
humana, no afã dessas linhas ambíguas, fazendo-me tecer veios na instabilidade
semântica de Manoel de Barros, para escrever uma crônica, cujas visões oníricas
revelam a realidade de viver: crescer dói.
Eu queria
cinco chances. Para viver cinco vidas, ter cinco profissões distintas, morar em
cinco países diferentes... Eu queria ser um palhaço, queria ser astronauta e
também professora. Queria ser antropóloga e conhecer a cultura de todos os
povos, e com eles e por eles, desbravar o mundo à procura de algo que faça com
que a vida tenha um sentido real na Terra.
Mas
o que eu queria mesmo era Ser Benevolente e viver aonde o vento descansa as
pestanas e se veste de coisa alguma depois de banhar em águas plácidas... E
descobrir se é verdade que “a quinze metros do arco-íris o sol é
cheiroso." Penso que para isso, Manoel, eu precisaria mesmo de cinco chances. Ser
Benevolente? Impossível, sou abastada em imperfeição...
Não
dá para ser apenas um, quero ser muitas. Não vejo sentido em ser apenas vital.
Nascer, reproduzir e morrer... Deve existir algo além. Algo que transcende as
picuinhas passionais. Quero pagar pra ver. Não quero ser apenas aquela que
acorda às cinco da manhã, que almoça ao meio-dia e se deita às vinte e uma
horas depois de assistir ao jornal.
Dê-me
uma receita, uma universal panacéia. Um substrato ético que cura a incompletude
do ser. Algo que Nicolas Flamel não descobriu em sua pedra filosofal. Um elixir
da longa vida que não está na alquimia, nem nas medicinas, tradicional ou
contemporânea, tampouco, na indelével busca pela felicidade.
Dê-me,
oh céus! O elixir da completude, e eu enfim morrerei para tantos. Mas,
sobretudo morrerei para dentro. Porque metade de mim busca-me e a outra metade
despede-se de mim. Porque parte do que sou é para ser feliz e outra parte,
parte... Parte incompleta e é sempre incompleta que retorna...
Porque
eu quero ser tantos e nunca ser esse eu que se adapta a tudo e a todos. Esse eu
inautêntico e camaleão. Porque eu quero mais que efêmeras alegrias na
realização das tarefas cotidianas, mais que pequenos brindes por cumprir
deveres...
Ah, Manoel
de Barros... estou rindo chorando... Você aí, fazendo versos, com Mario
Quintana e com os outros chatos de todos os tempos. E nós aqui com esse fado que vocês nos deixaram de não entender quase tudo
sobre o nada. Deixou-nos com a inútil consciência de que os nossos mundos são profundos sim, mas é de vazios. Por conta disso, Manoel, vivemos, cada um de nós, em nossos próprios
abismos interiores e andamos em promiscuidade com os nossos fantasmas incompletos. Porque fomos marcados à exposição de nossas fraquezas, ao desalento, ao amor, à poesia. Foi a poesia, sim, a poesia que ensinou-nos a nos expor como se o sentido da vida fosse dar sentido às coisas sem sentido algum: porque "é mais fácil fazer da tolice um regalo, do que da sensatez".
Publicada no jornal Diário da Manhã - DM Revista - Goiânia - Goiás - em 17 de novembro de 2014.
Manoel de Barros é mesmo assim, ele dá norte às nossas incompletudes e nos torna abastadíssimos do nada. Excelente!
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